Voluntários garantem organização e tradição do Kerb de São Miguel

Nos primeiros anos de imigração alemã e até meados do século 20, a chegada de produtos industrializados às cidades do interior era bastante rara, inclusive de refrigerantes. Em Dois Irmãos os imigrantes alemães apresentaram a Spritzbier, uma bebida feita à base de limão, gengibre, açúcar e água que são misturados e armazenados para fermentar. Assim é feito o “refrigerante da colônia”. Durante o Kerb de São Miguel - começa nesta sexta-feira (23) e segue no sábado (24) e no domingo (25), além de quarta (28) e quinta-feira (29) -, a bebida é distribuída aos moradores como forma de também lembrar a tradição cultivada pelos primeiros moradores da cidade.

Para este ano, quatro voluntários produziram 1,5 mil litros da bebida, que serão distribuídos no sábado (24). As amigas Marlene Schneider, 71 anos, e Marcolina de Quadros Araújo, 72, se juntaram ao casal Hedi Schuck, 78, e Hilario Müller, 62, para produzir a Spritzbier. O trabalho começou em agosto e no início de setembro toda a bebida já estava pronta para ser fermentada.

Marlene aprendeu a receita da bebida ainda na infância e nunca esqueceu. “Faço desde que me conheço por gente, é uma coisa que vem de família. Antigamente, não tinha acesso a refrigerante, era tudo feito em casa”, relembra. Há cinco anos, ela decidiu levar esse conhecimento para a festa que celebra a chegada dos imigrantes na cidade. E ela não foi sozinha, junto levou a amiga Marcolina, que nunca tinha ouvido falar na bebia, mas rapidamente aprendeu a receita e fornece também a matéria-prima. “Eu fui para a rua participar do Kerb e tomei. Achei muito bom e depois conheci a Marlene. A gente combinou de começar a fazer e não paramos mais. O limão é colhido na minha casa num pé só. Ainda tem pra fazer mais uns 500 litros”, conta Marcolina.

Para além da tradição

Manter uma tradição dos antepassados não é a única motivação das duas amigas para se envolverem na produção da bebida que Marlene conheceu na infância e Marcolina já adulta. Se envolver nos preparação do Kerb é também uma forma de se manter ativa e parte da comunidade. “Quem não é visto não é lembrado. É muito gratificante ser voluntária. Eu fiz uma promessa de ficar trabalhando como voluntária porque em 2020 achei que nunca mais poderia ajudar alguém”, conta Marlene, que neste ano teve que enfrentar a volta de um câncer de mama em meio à pandemia, que emenda ainda contando que a amiga perdeu o esposo e a cunhada em um acidente de carro.

Juntas, as amigas decidiram fazer do voluntariado, não só no Kerb, uma forma de se manterem ativas, especialmente no período após a fase mais grave da pandemia do coronavírus, quando as atividades sociais reduziram drasticamente. “Me chamam pra trabalhar eu vou. não é para mim ficar em casa assim enquanto posso ajudar, além de que é um prazer poder trabalhar”, conta Marcolina.

Voluntariado como tradição

A dedicação de voluntários não se faz presente apenas na produção do "refrigerante de colônia", já que o trabalho voluntário é considerado fundamental para a realização do evento em Dois Irmãos.

Criado em 1989, o grupo de voluntários Bierwagen se transformou em uma tradição que atravessa as gerações no trabalho de distribuir chope aos moradores durante o Kerb. “É um grupo de amigos que se junta para comprar chope e distribuir no domingo no Kerb. Não temos fins lucrativos, só a vontade de participar do evento e celebrar com a população”, conta o engenheiro Raul Wittmann, que foi um dos fundadores do grupo e que hoje, aos 56 anos, envolve toda a família na decoração do caminhão do chope e na distribuição da bebida.

Neste ano, além de distribuir o chope, o grupo também ajudará na entrega de Spritzbier. A inspiração para o Caminhão do Chope veio do antigo continente, mas aqui abaixo da linha do Equador ganhou outro sentido. “Na época a gente queria ajudar a promover o Kerb, éramos um monte de amigos. O pai viajava para Alemanha na época, ali pelos anos 1970, e viu que eles tinham caminhões de chope, mas lá não distribuíam a bebida. A gente decidiu distribuir chope por conta própria”, lembra. Neste ano, os voluntários devem distribuir cerca de 1,5 mil litros de chope à comunidade. “A ideia é entregar uma caneca para cada pessoa para fazermos um brinde, uma forma de celebrar a data”, conta Wittmann.

Raul fez do voluntariado uma herança familiar. “Antes era eu e a esposa, por exemplo, em cima trabalhando e eles iam na cabine do caminhão lá na frente”, conta Raul. Entre as crianças estava Giovana, hoje com 24 anos, a filha de Raul, que é mais uma que se inseriu de vez nas comemorações do Kerb. “Eu irei em cima do caminhão vou encher os copos e entregar para o meu irmão gêmeo que está sempre na rua. Ele vai correr para dentro das casas e entregar na varanda um copo de chope gelado ao habitante”, conta ela sobre como vai funcionar a logística no domingo (25). A sistemática será semelhante a um dia antes, quando o grupo de voluntários fará a distribuição de Spritzbier.

O Bierwagen começou em 1989 com cerca de dez voluntários e hoje já conta com 50 pessoas participando ativamente, uma tradição que se mantém pela hereditariedade dos membros.