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Notícias | Rio Grande do Sul Números gaúchos

Governador explica como o Rio Grande do Sul conseguiu achatar a curva da Covid-19

Em entrevista exclusiva ao ABC, Eduardo Leite diz que distanciamento social contribuiu para conter avanço do número de casos e mortes por conta do novo coronavírus no Estado

Por João Victor Torres
Publicado em: 25.04.2020 às 03:00 Última atualização: 25.04.2020 às 18:41

Em transmissão diária ao vivo do Palácio Piratini, o governador Eduardo Leite tem informado a população gaúcha sobre as tomadas de decisões pelo Executivo contra a pandemia Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Achatar a curva. Uma das novas expressões presentes no dicionário da pandemia, mas a representatividade dela ultrapassa uma marca apenas retórica. Mitigar os efeitos causados pelo novo coronavírus é desafio presente no cotidiano de prefeitos e governadores, que no Brasil possuem autonomia para definir as estratégias locais de enfrentamento à Covid-19.

No início desta semana, o governo gaúcho apresentou estudo mostrando a eficácia das políticas de isolamento social no Estado. Os dados aferidos pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão, em parceria com a equipe técnica da Secretaria da Saúde e também da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), demonstram que 292 vidas devem ser preservadas até 30 de abril. Se nenhuma medida de restrição fosse adotada, o Rio Grande do Sul deveria - de acordo com essas projeções - contabilizar no final deste mês 354 óbitos. A partir deste cenário, o número previsto é de 62 mortes.

E a saturação do sistema de saúde seria sentida a partir de sexta-feira, 1º de maio, quando a oferta de leitos disponíveis seria menor do que a demanda necessária para atender pacientes infectados. Já com as providências, o Estado ganha mais um mês para organizar o atendimento da população, pois esse ápice foi "adiado" para o início de junho.

O governador Eduardo Leite, que concedeu entrevista exclusiva ao ABC, destaca os pontos determinantes que resultaram no achatamento da curva do número de casos. "Nós entendemos que a adesão ao distanciamento, o cumprimento de regras e recomendações, tanto de ficar em casa o máximo possível, hábitos de higiene e etiqueta respiratória foram bastante importante para isso. E parecem efetivamente responsáveis quando observamos, por exemplo, o comportamento do vírus em Santa Catarina e Paraná, que antes estavam abaixo de nós, e passaram a nossa frente em número de pessoas infectadas quanto por conta dos óbitos", explica.

Dentro deste contexto, Leite cita que o Paraná tem população próxima à gaúcha, mas tem o dobro do número de mortes. "Quando estabelecemos a comparação com estados que temos semelhanças do ponto de vista socioeconômico, cultural e perfil demográfico atestam que houve 'algo de diferente' no Rio Grande do Sul, e esse 'algo diferente' provavelmente seja a adesão da população ao distanciamento social".

A partir de agora

Vencida esta etapa, o Rio Grande do Sul se prepara para ingressar numa nova fase. Anunciado pelo governador na terça-feira passada, passa a vigorar, a partir do próximo mês, o chamado distanciamento social controlado. As medidas devem levar em conta regiões do Estado para, com base em indicadores locais como propagação da doença e leitos de UTI, permitir uma retomada segura às atividades comerciais. O plano, em construção há pelo menos 15 dias, é elogiado por especialistas e ganhou a simpatia de segmentos da sociedade, que participam de sua construção. 

Conforme Leite, buscar um meio-termo para manter a curva achatada, mas permitir uma retomada gradual das atividades é o maior desafio daqui para frente. “Migrar para um modelo de distanciamento, aqui nós chamamos de controlado, que equilibre a proteção a vida e a atividade econômica. Vamos precisar fazer essa conciliação, porque projetamos viver com algum nível de restrição por longo período”, sinaliza.

Efeito na região metropolitana

O governador destacou que a composição das cidades que formam a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) neste novo de distanciamento social controlado deve sofrer uma "divisão". Ou seja, isso significa que serão analisados critérios a partir das peculiaridades de cada localidade do Rio Grande do Sul.

 

O desafio de dosar as ações na medida certa

Conforme Leite, buscar um meio-termo para manter a curva achatada, mas permitir uma retomada gradual das atividades é o maior desafio daqui para frente na tomada das próximas decisões via decreto estadual. "Migrar para um modelo de distanciamento, aqui nós chamamos de controlado, que equilibre a proteção à vida e a atividade econômica. Vamos precisar fazer essa conciliação, porque projetamos viver com algum nível de restrição por longo período", sinaliza o governador.

Imunização x contágio

Com franqueza, o governador é categórico ao explicitar quando o coronavírus deixará de ser uma ameaça aos gaúchos. "No momento em que houver imunização de grande parcela da população, o que só se dará por vacina ou através do próprio contágio da população", afirma. Ao mesmo tempo, reconhece que a produção em massa dessas doses tende a levar certo tempo. Por conta disso, sublinha que é preciso prudência na avaliação contínua de indicadores. "A vacina demorará a ser produzida, desenvolvida e distribuída. Talvez um ano, se tivermos. E o contágio precisa ser feito de forma controlada para que não se exceda a capacidade de nossa rede hospitalar. Portanto, vamos migrar para esse formato de distanciamento social mais racional, observando dados e números de cada uma das regiões. Toda a formatação deste modelo é complexa. Estamos fazendo um diálogo com setores produtivos e estamos bastante animados em ter um modelo de sucesso, mas é trabalhoso", avalia Leite.

Testagem é fundamental, avalia Leite

Além da pesquisa em andamento por parte da Universidade Federal de Pelotas, o governo monitora de perto a ocupação de leitos em unidades de terapia intensiva (UTIs). Apesar disso, atua para ampliar a capacidade de testagem da população. "O Estado deve receber novos volumes de testes rápidos do Ministério da Saúde. Estamos comprando testes rápidos e insumos para exames em laboratórios robustecendo essa capacidade, porque a testagem vai ser importante na avaliação de cada uma das regiões sobre a velocidade com que se dissemina o vírus, o que será determinante para que se definam os níveis de restrição que devem ser seguidos", pondera Leite.

O governador destaca que a Organização Pan Americana de Saúde (Opas) deve destinar ao Brasil, segundo consta, 10 milhões de testes. Se for aplicado critério populacional na distribuição, no Rio Grande do Sul isso poderia resultar na análise de até 500 mil amostras. "Seriam suficientes para que pudéssemos fazer de forma inteligente essa aplicação, que ajude a mensurar e a dar dimensão do quanto o vírus se distribui na população. Se você não vai fazer teste em massa, precisa fazer de forma inteligente".

Cidades com concentrações de casos no RS

Marau, que tem aproximadamente 44 mil habitantes, figura há tempo no encalço dos líderes da lista de cidades com maior incidência de pacientes diagnosticados com Covid-19. Aliás, grupo este que ninguém gostaria de participar. Na quarta-feira, o município tinha 28 casos; quinta-feira subiu a 33 e na sexta-feira esse índice foi a 36.

Em função disso, tem uma das maiores taxas no cálculo de infectados para cada 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul, com 89, segundo a Secretaria Estadual de Saúde.

Inicialmente, os infectados pertenciam a duas famílias. E delas surgiram as primeiras confirmações entre moradores da cidade vizinha a Passo Fundo, que é a segunda em confirmações no Estado, com 73 testados de forma positiva.

O prefeito Iura Kurtz sinaliza que Marau vive uma situação diferente, já que uma parcela significativa dos doentes buscou atendimento na rede privada de saúde. Até a metade da semana, representava a maior parte. "Trabalhamos com uma notificação elevada do número de casos aqui no município. Além disso, nossa cobertura da rede de saúde atinge praticamente 100% da população", destaca. Sendo assim, considera que não enfrenta um problema vivido em outras regiões gaúchas, mas também no País de forma geral: a subnotificação, já que imagina ter em mãos um diagnóstico real da situação enfrentada.

Por outro lado, o chefe do Executivo deixa claro que pretende discutir a situação do município de forma mais próxima ao Estado. "Quero entender se nas outras cidades os testes feitos pela rede privada também estão sendo computados", afirma.

Mais próximo daqui, Harmonia tem cinco casos confirmados até o momento. Não parece muito, mas como se trata de uma cidade com pouco menos de 5 mil habitantes, eleva percentual usado para analisar o quadro a cada 100 mil habitantes. Sendo assim, levou o município do Caí à "liderança" da lista, onde atinge 108, proporcionalmente. Num cálculo simples, sem analisar demais indicadores, é possível afirmar que a cidade tem 1 caso a cada mil habitantes. "Estamos adotando os cuidados necessários e, felizmente, todos os pacientes estão bem. Foram isolados e já se recuperaram", destaca o prefeito Carlos Alberto Fink, o Lico.

Por onde passou o "acerto" nas ações do governo

Na avaliação do professor da Universidade Feevale e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Fernando Spilki, uma trinca de ações ajudam a explicar os números do Rio Grande do Sul. "É acertada a política de restrição de movimentação, planos de retomada - não estou falando sobre este específico do Estado, pois não o conheço em detalhes - são recomendáveis e considero louvável, e todas as medidas de estimular o aumento de número de testes. São três pontos em que o governo acertou muito". Como consequência disso, o Estado conseguiu achatar a curva de avanço da pandemia.

Outro fator é a baixa letalidade por coronavírus em território gaúcho, mas isso está diretamente ligado à disponibilidade de leitos em UTIs. Atualmente, a taxa de ocupação é de 58%. "Ainda tem leitos de UTI para atender com maior complexidade casos graves que acabam chegando aos hospitais. Não apenas relacionados à Covid-19, mas também das próprias síndromes respiratórias causadas por outros vírus e pneumonias. A gente ainda consegue atender e por isso tem uma letalidade mais próxima daquela que conhecemos em outros locais em que se dominou relativamente bem o surto, na faixa de 3%", sublinha.

Spilki frisa que um componente peculiar do universo gaúcho deve ser analisado especialmente para projetar as ações futuras do governo. "Conhecendo as dinâmicas das doenças respiratórias no Estado, temos possíveis agravantes de como vai se manifestar o vírus, a transição do outono para o inverno e o próprio inverno em si", diz.

Como se deu a retomada pelo mundo

Se por um lado números apontam para o achatamento real da curva de infecção, ainda é cedo para cantar qualquer tipo de vitória ou pensar num retorno ao padrão de vida que tínhamos até 15 de março. Nada disso. Em três países, por exemplo, se desenha uma retomada gradual. Alemanha, Coreia do Sul e Dinamarca para tomar esta decisão pesaram fundamentalmente um dado: o coeficiente de transmissão. As autoridades dessas nações esperaram que o indicador reduzisse para 1 caso novo a cada caso infectado. "Ou seja, é possível mapear completamente quando estão ocorrendo casos. Se esse coeficiente está tão baixo quanto 1 ou abaixo de 1, basta isolar ou quarentenar cada caso novo. Assim fica possível controlar a disseminação", exemplifica Spilki.

Por aqui, esses índices variam de 2 - como se tem no Rio Grande do Sul - mas também se aproximam da faixa de 4, como se vê em São Paulo. O presidente da Sociedade Brasileira de Virologia pondera que, ainda, a baixa quantidade de testes deve ser levada em consideração. "Ainda temos mais possibilidade de transmissão do que nesses países que estão começando a abrir as suas atividades de maneira mais intensiva", complementa.

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