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Um ano da guerra na Ucrânia: tão longe, tão perto

Ofensiva russa completa um ano sem perspectiva de recuo ou negociação; e Brasil, seja com Bolsonaro ou Lula, mantém neutralidade alimentada por interesses econômicos e ideológicos

Publicado em: 24.02.2023 às 16:32 Última atualização: 24.02.2023 às 16:49

 Há um ano, em 24 de fevereiro de 2022, ainda buscando os caminhos para se reerguer das profundas feridas causadas pela pandemia da Covid-19, o mundo assistia atônito as imagens da invasão russa na Ucrânia. Não faltaram sinais nos dias que antecederam a ofensiva, mas todos acreditavam que Vladimir Putin não levaria a cabo a ameaça de uma guerra no continente europeu em pleno século 21. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky alertou várias vezes que isso iria acontecer, mas havia ceticismo de que a Guerra Fria 2.0 (como alguns chamam este conflito EUA/Europa x Rússia) estava declarada.

Passado este ano de mais de (acredite) 300 mil mortes dos dois lados - ultrapassando já largamente as cerca de 200 mil mortes estimadas na Guerra da Bósnia, que durou três anos na primeira metade da década de 1990 - a Guerra na Ucrânia mostra um cenário de poucas perspectivas do seu fim a curto prazo.

Bombardeios atingem cidades da Ucrânia
Bombardeios atingem cidades da Ucrânia Foto: ArmyInform/Reprodução

Mesmo com tantas perdas, os russos (e aí, convenhamos, demonstrando que estrategicamente falharam nos planos de invasão, pois já tiveram que retroceder no campo de batalha) não demonstram remorso ou indício de que vão sair da Ucrânia sem cumprir a consolidação da anexação de territórios considerados estratégicos. Os ucranianos, por sua vez, apoiados pelos países-membros da Otan (uma aliança com forte liderança dos EUA, apoiados por Reino Unido, Alemanha e, às vezes, pela titubeante França), resistem, contra-atacam e pedem a total retirada russa, inclusive de regiões separatistas, e a punição pelas perdas (humanas e materiais) causadas pela invasão.

"Quando um não quer, dois não brigam"?

De forma mais simplista, é claro condenar a Rússia pela invasão e os males por ela impostos. Mas a frase (também simplista) do presidente Lula de "quando um não quer, dois não brigam" tem seu fundo de verdade. A acenada aliança da Ucrânia com a Otan mexeu com os russos. Afinal, a Otan é uma aliança antagônica à Rússia, gerada na Guerra Fria, após o fim da Segunda Guerra, com a ideia de "combater o comunismo". Só que a Rússia comunista caiu há mais de 30 anos... É algo tão idiota e simplista quanto "defender a liberdade". Liberdade de quem, afinal? Então tem algo mais por trás... 

A verdade é que motivações de poder econômico (e do próprio poder de domínio em si) alimentam estes "ideais", sejam do lado que for. Esquerda e direita se escondem atrás de rótulos que elas próprias contradizem. Defender ditaduras ou governos autoritários é algo contraditório tanto para a esquerda com a direita brasileira. Ambas se dizem contra, mas, em discursos, a direita defende a antiga ditadura militar brasileira e a esquerda defende ditaduras como as de Cuba ou da China. Ah, mas são diferentes. Claro que são. Mas com algo muito em comum: sufocar a liberdade (pelo meio que for necessário) de quem lhe é contrário.  A Rússia, que de comunista tem apenas um antigo rótulo, é governada por um autoritário Putin. Um homem que sonha com uma Rússia dominante, uma espécie de "império russo". 

Mas também é certo ver a sua invasão à Ucrânia como uma resposta agressiva da Rússia de defesa ao cercamento feito pelos países da Otan que avançaram nos últimos anos pelo leste europeu, antes dominado pelos russos. Afinal, a Otan, liderada pelo EUA, também se faz invasora em seus propósitos de "defender a democracia". 

O Brasil "neutro"

As contradições são tantas na guerra, que colocam até - vejam só - Lula e Bolsonaro do "mesmo lado" (cada um do seu jeito) no debate do que é certo ou errado em relação à Rússia. Ambos não condenam de todo a Rússia. É certo que eles seguem o modelo de que o Brasil sempre teve uma espécie de conduta pacífica de não interferência em relação aos conflitos internacionais, criando até relações um tanto hostis como no caso da Guerra das Malvinas, quando os argentinos esperavam um fraternidade sul-americana que o Brasil não ofereceu em meio à ditadura. Ambos se disseram contra as sanções econômicas à Rússia (o que, na verdade, não surtiu grande efeito até agora) e não apoiaram belicamente os ucranianos. Parece certo não alimentar o armamento, mas é bom lembrar que sem o apoio bélico da Otan, a Ucrânia teria sido dizimada pelos russos no ano passado.

Lula até chegou a dizer que a Rússia cometeu um "erro histórico", mas segue mantendo uma ideia de neutralidade, agora alimentada pela necessidade urgente de mediação para o fim do conflito. O que é correto. Afinal, já é hora de uma saída "diplomática" e minimamente civilizada. Só que essa ideia esbarra nas exigências russas e ucranianas par negociar a paz. Os russos querem a rendição dos ucranianos. Os ucranianos querem isso dos russos, e que eles paguem pelo que fizeram. Como já dito, algo longe de acontecer.     

 Particularmente, condenaria Lula e Bolsonaro em seus posicionamentos - sejam eles econômicos (os dois olharam para este lado) ou ideológicos (de uma esquerda ainda sonhadora em um ideal comunista surgido na Rússia que hoje se mostra soterrado sob o um governo autoritário e até criminoso e de uma direita que vê no autoritarismo a saída para a "ordem e progresso"). Ambos "passaram a mão na cabeça" do Putin, justificando que ele tem seus motivos. Mas a verdade é que a guerra nunca se justifica. Principalmente quando há claramente um lado agressor e invasor. Não há justificativa para uma invasão que mata mais de 300 mil pessoas (inclusive sendo mais da metade do lado do próprio invasor - calcula-se que dos 300 mil mortos, 180 mil são soldados russos).

O assunto renderia páginas e páginas de discussão, de uma análise geopolítica. Mas o principal a se dizer é que é triste ver que, um ano depois, o conflito mais mortal desde a Segunda Guerra segue sem um fim no horizonte, vitimando milhares de vidas por governos e seus governantes que buscam medir forças. O ser humano parece incapaz de aprender a conviver sem ódio e guerras. E isso parte de lideranças doentias, que semeiam conflitos para poder conquistar, governar e tentar destruir tudo que não lhe é favorável.


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