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Notícias | Região Raio-X

Criticado por uns, aclamado por outros: o que faz do SUS um dos maiores sistemas públicos

Mais do que apenas longas filas e hospitais lotados, o sistema público de saúde brasileiro é referência para o mundo

Por Adair Santos
Publicado em: 02.05.2020 às 03:00 Última atualização: 02.05.2020 às 11:15

SUS oferece exames e tratamentos completos pela rede pública Foto: Adair Santos/ GES-Especial
De um lado, postos de saúde lotados, pacientes esperando leitos em macas nos corredores de hospitais - cenas comuns em algumas cidades maiores. De outro, distribuição gratuita de medicamentos, transplantes e atendimentos de alta complexidade que salvam milhares de vidas. Duas faces de um mesmo sistema de saúde, o SUS, que está disponível para todos os 211,4 milhões de moradores dos 5.570 municípios brasileiros. Neste ano, seu orçamento previsto é de R$ 152,2 bilhões, dinheiro proveniente dos impostos que toda a população paga.

Criticado por uns, aclamado por outros, é um dos maiores e mais inclusivos sistemas de saúde do planeta e sua importância ficou ainda mais evidente com o avanço da pandemia de coronavírus. Por isso, o ABC elaborou um extenso raio X para diagnosticar seus prós e seus contras, ouvindo especialistas, médicos e pacientes da região e também de outros países tidos como referência para traçar um comparativo.

O Sistema Único de Saúde foi criado pela Constituição de 1988 e passou por constantes ampliações e aperfeiçoamentos. Segundo o Ministério da Saúde, hoje são atendidos dois terços da população, cerca de 140 milhões de pessoas. Os demais 70 milhões contam com plano de saúde particular, mas também acabam utilizando o sistema público em emergências ou quando necessitam de procedimentos não cobertos pelas empresas.

É o grande sistema público de saúde em nível internacional. Poucos outros países no mundo têm a saúde como um direito e, os que têm, possuem populações infinitamente menores.

Nêmora Barcellos, professora da Escola de Saúde da Unisinos

Mas não são apenas os brasileiros que têm acesso ao atendimento universalizado: os refugiados de vários países, a exemplo dos venezuelanos, conseguem até marcar consulta. Em quantas outras nações isso é possível? Mas então por que tornou-se uma espécie de "esporte nacional" fazer críticas ao SUS, muitas delas infundadas? "Porque os problemas são mais visíveis do que o que realmente funciona", responde Nêmora.

Para o geriatra e professor do curso de Medicina da Feevale Leandro Minozzo, todos são responsáveis por essa má impressão. "Mas, talvez, os políticos tenham grande culpa: enaltecem a si mesmos quando usam verbas do SUS localmente e, quando cobrados por falhas na área, põem a culpa no sistema.

Outra explicação está no fato de que uma significativa parcela dos brasileiros desconhece como a saúde funciona em países tidos como referências. "Nos Estados Unidos, uma das maiores causas de falência de pessoas físicas refere-se a gastos com saúde", revela a médica gaúcha Ana Luiza Mandelli, que mora no Colorado.

Estados Unidos

O sistema de saúde nos Estados Unidos (334 milhões de habitantes) se divide nos programas públicos, que são o Medicare e o Medicaid, e os seguros saúde (também conhecidos como planos de saúde). O primeiro destinado às pessoas com 65 anos ou mais e também àquelas com doenças e deficiências incapacitantes. O segundo é para populações de baixa renda, com algumas variações entre os Estados. Já o terceiro é particular, atendendo a quem possa pagar.

Para fazer parte do Medicare, que é pago pela Previdência dos EUA, é preciso que o cidadão americano ou imigrante tenha contribuído durante seus anos de trabalho. O programa é dividido em quatro partes. Todos os beneficiados estão na parte A, que garante atendimento hospitalar e alguns cuidados médicos em casa. É possível ampliar os benefícios mediante o pagamento de uma taxa que o colocará na parte B, o seguro com outros serviços. Existem ainda as partes C e D, que são um seguro avançado, com cobertura de diversos tipos e medicamentos. O Obamacare é o que se pode chamar de um sistema de saúde semi-público. Foi criado pelo ex-presidente Barack Obama e aprovado em 2010 para aumentar o acesso aos planos e, consequentemente, o atendimento médico. Vinte milhões de pessoas foram incluídas, mas deverá sofrer revisões em 2021.

Fonte: imigrareua.com

França

A saúde pública na França (66 milhões de habitantes) funciona por meio do SHI, o Seguro Obrigatório de Saúde. Os trabalhadores colaboram mensalmente com o fundo e grupos em situação de vulnerabilidade têm a cobertura do SHI sem necessidade de contribuição. Os usuários do sistema têm liberdade para escolher o médico e a instituição de preferência. Hospitais e clínicas públicas e privadas coexistem e o SHI cobre tratamentos nos dois setores. O seguro cobre a maioria dos serviços médicos e hospitalares, incluindo odontologia e medicamentos, mas em alguns serviços o paciente precisa pagar uma parcela (no máximo 25%), em um sistema de coparticipação.

Austrália

O Medicare, sistema de saúde da Austrália, país com 26 milhões de habitantes, é universal. Há serviços privados que complementam o público. O Medicare também subsidia a maioria dos medicamentos e grande parte dos custos de hospitais e médicos privados. Apesar de ser considerado um dos melhores sistemas de saúde do mundo, tem algumas limitações: os pacientes não podem escolher os profissionais com que se tratam e podem ter que esperar para fazer procedimentos eletivos em hospitais. Também não cobre procedimentos considerados desnecessários, como os estéticos, e não presta serviço de ambulância, odontologia e fisioterapia.

Fonte: Simers

 

Suécia

O sistema de saúde da Suécia, que tem 10 milhões de habitantes, é universal - todos os residentes legais têm direito aos serviços, financiados majoritariamente por impostos. Quase tudo é coberto, incluindo remédios, atendimento domiciliar para idosos, tratamento psiquiátrico, oftalmologia e odontologia, mas todos devem contribuir pagando uma pequena parcela. Uma consulta com um clínico geral custa US$ 14 (79 reais). Menores de 18 anos, grávidas e idosos, porém, podem usar os serviços de graça. Hospitais e clínicas públicas e privadas coexistem, ambos prestando serviços e cobrando valores similares, com financiamento do governo.

 

Reino Unido

O National Health System (NHS) é universal e gratuito, financiado por impostos. Foi fundado em 1948 e serviu de inspiração para a criação do SUS. Por todo o Reino Unido (67 milhões de habitantes), existe uma rede de hospitais e clínicas públicas. O centro do sistema britânico são os General Practitioner (GP), postos de saúde que existem em todos os bairros e onde um clínico geral acompanha e atende as pessoas registradas e encaminha para especialistas, se necessário. Além dos GPs, o NHS conta com os walk-in centres, nos quais não é necessário agendar consultas, hospitais e postos de pronto-atendimento 24 horas. Alguns serviços são cobrados, como remédios, oftalmologia e odontologia.

Falta de estrutura e de equipamentos

Professora da Escola de Saúde da Unisinos, Nêmora Tregnago Barcellos elenca, na entrevista a seguir, os principais avanços proporcionados pelo SUS desde a sua criação, em 1988, assim como os pontos em que ainda precisa evoluir.

Qual a sua avaliação geral sobre o SUS?
Nêmora Barcellos - Respeitando princípios e diretrizes, o SUS vem sendo construído lentamente com o esforço de muitos, mas com avanços pequenos e grandes retrocessos, mostrando grande vulnerabilidade face a mudanças de governo, gestores e partidos. O engessamento burocrático, a falta de estudos situacionais e planejamento e monitoramento dos resultados a longo prazo, acompanhados da carência de administração de qualidade, são companheiros do financiamento insuficiente do SUS e os principais problemas a serem enfrentados, não diferentemente do que ocorre com outros setores, como a educação. O SUS é um grande sistema de saúde. É único para um Brasil diverso e desigual.

Quais os avanços obtidos pela saúde pública desde os anos 80, quando na época todos tinham a sua carteirinha do INPS?
Nêmora - Em 1977 foi criado o INPS, em um período de urbanização crescente, caracterizando-se por ser hospitalocêntrico, centralizado, funcionando através de serviços médicos (pré-pagos) ou pagamento por unidade de serviço que davam margem à corrupção e ao clientelismo político, estimulando um complexo industrial privativista. Tinham direito à saúde aqueles com emprego fixo, carteira assinada e carteirinha do INPS. Produtores rurais, empregados informais e desempregados não tinham esse direito e ficavam nas mãos de entidades filantrópicas. O SUS surge nesse contexto a partir do Movimento da Reforma Sanitária, da 8ª Conferência Nacional de Saúde (1988), incluído no texto constitucional e regulamentado por leis, com o objetivo de atender às necessidades de saúde da população.

Por que o SUS é tão criticado pelos brasileiros, na sua opinião? 
Nêmora - O SUS tem problemas, tanto organizacionais, quanto administrativos, quanto financeiros. Esses problemas têm impacto grande na qualidade da atenção prestada por falta quantitativa de profissionais e por deficiência qualitativa, por carência de um sistema potente de educação permanente. Faltam equipamentos, estruturas e pessoas. O controle social está em muitas situações muito envolvido com a política e deixa de exercer sua função principal de lutar por melhores ofertas de serviços. Ainda assim, os problemas são mais visíveis do que o que realmente funciona. Pensemos na nossa cobertura vacinal, nas estratégias de saúde da família, no programa de agentes comunitários de família, na mudança do foco da saúde para a atenção primária que representa a racionalização dos recursos mais especializados. Pensemos na disponibilização de medicamentos para a população, no acesso igualitário a procedimentos de alto custo como transplantes e substituição renal. Nem sempre o que temos é suficiente e cabe a nós preservar o que temos, não dando abertura a tentativas de desestruturar o sistema e retroceder. O sistema é único, integral, igualitário e universal. É um SUS forte que queremos.

E quando comparado com outros países?
Nêmora - Os EUA têm dois planos limitados de saúde pública: Medicare para pessoas idosas e o Medicaid para os muito pobres. Todo o resto da população tem que pagar (e muito) para ter acesso ao sistema de saúde. A Inglaterra tem um sistema público de saúde bem organizado, efetivo e sério. É universal e eficientemente administrado. As diferenças em relação ao Brasil é que a área geográfica da Inglaterra é muito menor que a nossa (nosso País é um grande continente) e habitada por cerca de um quarto da população brasileira, com um nível sócio-econômico privilegiado e sem a desigualdade presente no Brasil. Cabe salientar também que na Inglaterra o sistema é todo controlado, protocolos são utilizados em todo o sistema, fruto de sólidos estudos de custo de efetividade de cada ação recomendada em saúde.

 

TAGS: brasil saúde
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