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Notícias | Região Prognóstico

Sob o La Niña, região terá período com risco de falta de água nas torneiras

Fenômeno já age sobre o Estado e deve reduzir volume de chuva entre novembro e janeiro, com efeitos também durante o verão. Na área, Rio dos Sinos e afluentes podem ficar com níveis mínimos

Por Ermilo Drews
Publicado em: 03.11.2020 às 07:00 Última atualização: 03.11.2020 às 19:53

Em maio deste ano, Exército abasteceu localidades de Morro Reuter que ficaram sem água potável por causa da forte estiagem, que poderá se repetir nos próximos meses Foto: Prefeitura de Morro Reuter/Arquivo
Com o fenômeno La Niña já agindo, alterando o volume e a distribuição de chuva no Estado, a projeção é que a estiagem chegue mais cedo neste ano e afete o Rio dos Sinos e seus afluentes, podendo causar falta de água potável em algumas localidades. O prognóstico da Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), que monitora eventos hidrológicos no Rio Grande do Sul, aponta que o fenômeno climático atingirá o Estado especialmente entre novembro e janeiro, mas os seus efeitos serão sentidos por mais tempo. Ou seja, a falta de chuva pode seguir ao longo de todo o verão, com diminuição dos efeitos do La Niña somente ao longo do próximo outono.

Na avaliação da Defesa Civil do Estado, o dano agrícola deve ser maior no noroeste do Estado, que já sofre com deficiência hídrica por causa da última estiagem e onde duas cidades já decretaram situação de emergência. Já o impacto humano, impulsionado também pela pandemia, deve ser maior no eixo região metropolitana e Serra, onde se encontra o Vale do Sinos. No primeiro semestre de 2020, o Rio dos Sinos atingiu sua menor marca nos 22 anos de medição de nível em Novo Hamburgo, 1,73 metro no ponto de captação da Comusa - Serviços de Água e Esgoto (o normal neste ponto é 3 metros). Situação que pode se repetir nos próximos meses.

Diante dos dados fornecidos pela Sema e baseado no histórico das regiões do Estado, o subchefe da Defesa Civil, coronel Rodrigo Dutra, aponta que a principal dificuldade que a escassez de chuvas pode trazer ao Vale do Sinos e áreas próximas é em relação ao abastecimento de água para consumo humano, frisando que esta é uma possibilidade. Cenário que pode agravar ainda mais a pandemia. "Não podemos desconsiderar que o Rio Grande do Sul está em estado de calamidade pública, por conta da Covid-19, até 18 de março. Pandemia que começou no final da última estiagem. Agora, a tendência é que ela siga durante todo o fenômeno climático. E água é fundamental para as medidas sanitárias. Por isso, avaliando tudo isso, o eixo região metropolitana/Serra, é o que exige um olhar mais cuidadoso no aspecto humano", alerta.

Já o dano agrícola é a principal preocupação na região noroeste, onde os municípios de Tenente Portela e Giruá já decretaram situação de emergência; Centro do Estado e Campanha (o abastecimento para consumo humano também pode ser acentuado nesta última). Além disso, a falta de chuva pode trazer problemas na geração de energia em regiões no entorno de Livramento, Passo Fundo e Torres.

Com base no prognóstico que se desenha e no histórico do fenômeno climático no Estado, Dutra acredita que a próxima estiagem deve ser tão severa quanto a última. "Obviamente, precisamos seguir analisando os dados, mas pelo déficit hídrico que já existe em muitas regiões, pelo prognóstico em relação ao La Niña e pelo nosso retrospecto dos últimos 30 anos, é a tendência. Historicamente temos grandes estiagens a cada dez anos, que costumam se replicar no ano seguinte. Foi assim em 2004/2005 e assim em 2012/2013. Mas cravar que isso vá se repetir é imprudência."

Dutra destaca ainda que o Estado já teve 3.635 ocorrências de estiagem foram nos últimos 30 anos. “A maioria não é de grande intensidade. Mas é uma condição natural no Estado. Por isso, tratar o fenômeno como emergência, como acontece, é um equívoco. Necessitaríamos de ações estruturais, de médio e longo prazo, como já vem ocorrendo no Estado, para reserva de água para enfrentar este período”, observa coronel Dutra.

Em nota, a Sala de Situação da Sema pondera que não há como dizer se choverá menos ou mais do que na última estiagem. No entanto, informa que em diversas regiões do Estado não houve uma recuperação dos volumes de chuva neste ano, com isso, o quadro é com certeza mais grave devido à persistência dos baixos acumulados, especialmente no sul do Estado, Campanha, meio Oeste e noroeste. Ainda de acordo com a Sala de Situação, o La Niña já está consolidado e no atual momento é considerado de fraca intensidade, porém, com perspectiva de evoluir para moderada intensidade nos próximos meses.

Defesa Civil gaúcha está preparada

Diante do cenário que se desenha, coronel Dutra alerta que muitos prefeitos devem assumir o cargo já em estado de emergência em 2021. "Na estiagem passada, os decretos começaram em dezembro, foram 407 no Estado. Agora, em outubro, temos dois. Já nos reunimos com a Federação das Associações dos Municípios (Famurs) para organizar uma rodada de reuniões com os futuros prefeitos, passadas as eleições, para avaliar a situação, pensar em alternativas."

No âmbito da Defesa Civil gaúcha, além da articulação com os prefeitos, o órgão investe em equipamentos de reservação e distribuição de água. "No ano passado, entregamos 550 reservatórios de 500 litros cada um a dezenas de municípios, para subsistência das famílias mesmo", lembra coronel Dutra. Este ano, ele informa que a Defesa Civil dispõe de mais unidades, que serão distribuídas conforme a necessidade. "Nós também temos disponíveis reservatórios flexíveis de 4,5 mil litros, que podem ir sobre qualquer tipo de caminhão. Assim, as prefeituras, com seus veículos, podem improvisar uma espécie de caminhão-pipa para levar água onde for emergencial", pontua.

O oficial frisa que a Defesa Civil mapeou as empresas que trabalham com locação de caminhão-pipa no Estado e mantém diálogo com o Comando Militar do Sul para uso da estrutura do Exército caso seja necessário.

Quem já precisou da ajuda do Exército para levar água potável a localidades do interior neste ano foi Morro Reuter, cujas localidades de São José do Herval, Walachai e Linha Cristo Rei foram as mais afetadas no primeiro semestre deste ano. Secretária de Indústria, Comércio, Turismo e Desporto do município, Sônia Feldmann admite que a estiagem passada atingiu seriamente locais que não costumavam sofrer com ocorrências menores. "Atuamos com nosso caminhão-pipa, mais um terceirizado e ainda tivemos parceria com o Exército. Nosso decreto de emergência foi homologado pelos governos estadual e federal, mas até agora os recursos sinalizados não chegaram", afirma a secretária. Ela frisa que a prefeitura abriu diversos reservatórios de água neste ano nestas localidades.

''Ainda falta uma cultura de produção irrigada no Estado'', analisa especialista

Agrometeorologista da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr), a pesquisadora Loana Cardoso afirma que é difícil mensurar as perdas que a eventual falta de chuva pode trazer ao agronegócio gaúcho. "O La Niña influencia a questão das chuvas principalmente no outono e primavera. O prognóstico é de pouca chuva generalizada no Estado em novembro. Já em dezembro e janeiro deve ficar abaixo do normal especialmente na Metade Sul. Mas é difícil prever o impacto disso no rendimento da safra, primeiro, porque cada região tem seu microclima e segundo porque a agricultura depende de outras variáveis", pondera doutora em Agrometeorologia.

Loana observa que não apenas chuva abaixo da média pode afetar as culturas, mas a própria evaporação acentuada da água na terra e da transpiração nas plantas, comum no verão no Rio Grande do Sul por conta do calor excessivo, influencia no rendimento das lavouras. "Em muitos casos nem a chuva dentro da média resolve o problema porque a água evapora muito rápido e as lavouras ficam com deficiência hídrica. Por isso, sempre se recomenda o escalonamento da semeadura, assim, se chover pouco num período, mas bem no outro, o produtor não corre o risco de perder todo o investimento. Já se ele plantou tudo de uma vez só, o risco aumenta", ensina.

A agrometeorologista acredita que, de maneira geral, os produtores gaúchos têm conhecimento técnico para enfrentar períodos de estiagem, mas ainda há muita carência de irrigação no campo. "Informação existe, talvez falte um pouco de políticas públicas, capitalização do nosso produtor, porque sistema de irrigação requer planejamento e investimento. Aqui no Estado ainda se tem aquele pensamento de que no ano passado a safra foi boa, o preço valeu a pena e vai se deixando para depois este tipo de investimento. Ainda falta uma cultura de produção irrigada no Estado."

Previsão de R$ 55 milhões para perfurar poços e abrir açudes no RS

O governo do Estado informa que atua em várias frentes para mitigar os efeitos da estiagem. À Sema cabe a outorga da água, suspendendo o seu uso na agricultura, por exemplo, em detrimento do consumo humano em áreas onde for necessário. Já às secretarias de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (Seapdr) e de Obras e Habitação (SOP) cabem investimentos em infraestrutura que, somados, representam aproximadamente R$ 55 milhões em obras previstas para os próximos meses e que devem reduzir efeitos de futuras estiagens. No entanto, estes recursos ainda não foram aplicados.

Secretário estadual de Obras, José Stédile afirma que por parte da sua Pasta devem ser enviados após as eleições R$ 7,35 milhões para perfuração de poços. "O dinheiro será enviado diretamente às prefeituras. Pelo valor individual ser baixo, elas poderão agilizar a abertura dos poços sem licitação", explica. Outros R$ 6,5 milhões da secretaria serão investidos em horas-máquina para conserto de estradas e abertura de açudes, por exemplo. "Este valor será executado pelo Estado", diferencia Stédile. Outros R$ 6,15 milhões serão investidos via Seapdr na abertura de mais de mil açudes. Ainda há pouco mais de R$ 6 milhões previstos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário para serem repassados à Seapdr para perfuração de poços e R$ 29 milhões via Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para o mesmo fim. "Este dinheiro da Funasa vem para a SOP. Tentamos que o Exército executasse a obra, só que eles não têm condições técnicas. Queríamos repassar, então, direto para as prefeituras para agilizar, afinal, estiagem exige pressa. Só que a Funasa quer que se faça uma licitação e isso vai levar mais tempo para aplicarmos os recursos. Mas vamos fazer", explica Stédile.

Secretário estadual da Agricultura, Covatti Filho frisa que investimentos do tipo são constantes. "Desde o início do ano, intensificamos programas existentes na Seapdr, quase triplicamos o número de poços perfurados se compararmos a 2019, demos continuidade na construção de microaçudes e inovamos com a criação da Câmara Temática da Irrigação, visando incentivar o aumento da área irrigada no Estado e diminuir a burocracia para a instalação de pivôs", argumenta.

Comusa não cogita risco de racionamento

A estiagem de 2020 fez com que o nível do Rio dos Sinos atingisse o menor nível em Novo Hamburgo em 22 anos. A Comusa afirma que não há risco de racionamento mesmo com uma estiagem severa. "Na pior das hipóteses, no caso de uma estiagem muito extrema, pode ser necessário diminuir o volume de captação (750 litros por segundo), que pode acarretar em um gasto maior de energia. Nosso sistema de captação é bem eficiente e nossas bombas estão instaladas em um ponto de maior profundidade do rio, em relação a outras cidades da região", informa, em nota.

De acordo com a Comusa, investimentos feitos nos últimos anos tornaram o sistema de captação mais robusto e eficiente. "Em 2019, retomamos as obras de ampliação da Estação de Tratamento de Água (ETA), que, quando concluídas, aumentarão em 25% a captação e tratamento de água do rio. No ano passado, quando o rio atingiu seu menor nível na história da Comusa, iniciamos o tratamento com ortopolifosfato, um produto que, além de recobrir toda a tubulação da rede, captura íons de metal da água, acumulados em período de poucas chuvas, garantindo que a água chegue ao consumidor sem coloração", detalha a Comusa. A Corsan foi procurada para informar sobre investimentos e ações para mitigar os efeitos da estiagem na região, mas não se manifestou.

Rio dos Sinos deve apresentar baixa disponibilidade hídrica

Em relação à influência do La Niña, análise da Sala de Situação da Sema aponta que a distribuição e volume de chuvas deve ser irregular e abaixo da média ao longo dos próximos meses no Estado como um todo. "O Rio dos Sinos, no atual momento, já está começando a apresentar uma baixa disponibilidade hídrica na maior parte das estações fluviométricas que temos dados disponíveis. O mesmo ocorre na maioria de seus afluentes", informa, ponderando que o cenário mudou levemente com a chuva recente, mas que deve voltar a apresentar recessão nos próximos dias. Em um prognóstico mais estendido, o Rio dos Sinos deve apresentar, de modo geral, baixa disponibilidade hídrica durante os próximos meses, ficando abaixo do nível que corresponde a uma permanência de 95%, ou seja, mantendo-se a maior parte do tempo (no final da primavera e verão) com valores de vazões e níveis mínimos. Em pequenos períodos, pode haver melhoras pontuais, com duração de poucos dias, após eventos de chuva, porém a tendência geral é de baixa disponibilidade hídrica na maior parte do tempo.

Além das chuvas abaixo da normalidade, outro fator determinante para a baixa disponibilidade hídrica devem ser as altas temperaturas, que aumentam os índices de evapotranspiração (perda de água do solo por evaporação e de água da planta por transpiração) e também da ação do vento nordeste na costa gaúcha, que gera uma recessão no nível do Lago Guaíba e, consequentemente, acelera o declínio nos níveis do Sinos e seus afluentes, Rio Gravataí, Caí e Baixo Jacuí, principalmente nas áreas mais baixas destas bacias.

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