É com a voz embargada que a autônoma aposentada Renata Maria Becker, 85 anos, conta sobre uma das coisas que mais sente falta em um ano de pandemia: abraçar os netos. Depois de praticamente criar os 'segundos' filhos, a moradora de Ivoti precisou se acostumar a uma nova realidade. Com o mesmo amor, sim, mas sem o afeto do toque, o calor do contato.
Só que quando as adaptações surgiram, se imaginava que durassem duas, três semanas. Agora já estão aí, há mais de 365 dias - e contando. De lá para cá, o calendário não deixa enganar. Um ano sem o abraço entre gerações. Um ano sem encontrar os amigos. Sem ir ao estádio de futebol ou poder acompanhar a missa na Igreja. Um ano sem aulas presenciais, sem passar pelos corredores e biblioteca da universidade. Um ano sem ir ao restaurante, cinema, show. Um ano.
Para uma das netas da dona Renata, a representante de desenvolvimento de vendas Leticia Becker Belmonte Alves, 19, é difícil segurar a vontade de abraçar. "Eu sempre tive uma relação muito próxima da minha avó. Até 2010, morávamos juntos. Só que, com o início da pandemia, ficamos extremamente preocupados", diz, acrescentando que algumas mudanças foram necessárias, com o objetivo de proteger dona Renata.
Além de manter a distância física segura, a rotina da ivotiense se transformou. "Nos primeiros meses, ela não ia na nossa casa aos finais de semana, como de costume. Levávamos comida e fazíamos as compras no mercado. Tentamos evitar o contato dela com o mundo exterior o máximo possível", relata Leticia.
Apesar de entender que a preocupação é por sua saúde, a avó sente falta do que fazia há um ano. "Não é fácil. A gente espera a hora de poder abraçar. Não posso ir na vizinha e quase não a conheço mais. Não posso ir em outros lugares, só em casa", diz. Até mesmo o contato com a netinha que nasceu um pouco antes de tudo isso começar, não é como ela desejaria. "A pequeninha tem um aninho e não posso pegar muito ela no colo. Mas também porque é pesada para mim", brinca.
Quem também passa por situação semelhante é a professora Isadora Dhein de Oliveira, 22, de Lindolfo Collor. Ela está há um ano sem encontrar com a avó Maria Lucena Dieter, 87, de Estância Velha. "Costumávamos nos ver em almoços de domingo. Reunia a família e ela amava isso. Só que desde que começou a pandemia eu não fui mais lá, porque o receio estava bem grande", relata.
Agora os contatos se restringem aos proporcionados pela tecnologia. "Sinto muita saudade. O sentimento é de tristeza por pensar que, infelizmente, a cada ano nós estamos mais perto de 'perder' ela de certa forma", lamenta. Ainda assim, Isadora compreende que a medida é necessária. "Ter ficado esse tempo todo longe foi muito doloroso, mas ao mesmo tempo sei que é pelo bem dela", evidencia.
Para amenizar a saudade, da mesma forma, Letícia conta que liga para a avó todos os dias durante a semana. "Decidimos comprar um celular novo para fazermos videochamadas, ela ver a gente e a netinha de 1 ano", diz.
Agora, a esperança da idosa está depositada no processo de imunização. "Fiz as duas vacinas e vamos ver como tudo vai continuar", resume dona Renata. Segundo a neta, a primeira dose foi aplicada em fevereiro e a segunda neste mês. "Tivemos a felicidade dela fazer a CoronaVac aqui em Ivoti, mas mesmo assim estamos tomando muito cuidado, devido à situação atual da doença no Brasil", finaliza.
De acordo com a coordenadora do curso de Psicologia da Universidade Feevale, Claudia Maria Teixeira Goulart, é inevitável o impacto após um ano de restrições. "Além do isolamento, há o medo, as perdas financeiras, de emprego, de pessoas da família e conhecidos. Em um primeiro momento, temos que nos permitir aceitar que nem sempre vamos estar bem", frisa, acrescentando que vivemos uma situação intensa, que naturalmente leva as pessoas a se sentirem tristes e ansiosas por vezes.
Na sequência, Claudia dá algumas dicas para encarar esses sentimentos. A primeira delas tem relação com a resiliência, ou seja, a capacidade de lidar com dificuldades e conviver com elas. "Talvez o que ajude é não fazer planos a longo prazo. Ir vivendo cada dia e lidar com as situações da forma que elas vão se colocando. O melhor é não querer se antecipar, porque é algo que foge do nosso controle", lembra.
Apesar de não existir uma fórmula infalível para amenizar o possível sofrimento, a especialista orienta que sejam buscadas formas de autocuidado nesse processo. "Coisas que nos façam sentir bem. Maneiras de se encontrar com as pessoas, mesmo que não sejam presenciais. Por ligação, chamada de vídeo. Encontrar pessoas que compartilhem do nosso sentimento é muito importante", afirma. Como somos seres sociais e necessitamos desses momentos de interação, a professora cita que o apoio da tecnologia, como feito por Letícia e Isadora, é benéfico.
Nem mesmo os passeios durante o dia são possíveis. "Íamos em parques para tomar tererê, sentar na grama e conversar até anoitecer", relembra. Para se sentir mais próxima, ela também busca as redes sociais e aplicativos. "A gente se fala quase todos os dias pelo WhatsApp ou Instagram e também por videochamada. Só que não é a mesma coisa", comenta.
A jovem sonha com a aceleração da imunização. "Estava acreditando que até junho todos estariam vacinados, mas pelas métricas está tudo tão distante... Ainda assim, o sentimento é de esperança para tudo isso acabar", confia. Quando as coisas melhorarem, ela quer abraçar seus amigos e familiares.
Para ela, a cerimônia on-line não traz o mesmo sentimento. "Não sinto aquele contato com a Trindade Santíssima como eu sentia antes, indo à Casa do Senhor. A comunhão também não acontece e sequer a bênção do padre, que eu pedia sempre que me sentia triste, fraca, eu consigo pedir. Não é a mesma coisa dos encontros presencias", lamenta.
Para manter a conexão religiosa, Vanessa procurou outras alternativas. "Montei um altar em casa, onde acendo minha velinha e faço minha oração diária. O altar é pequeno, mas a intenção é grande", descreve.
Quando puder voltar a frequentar a Igreja, ela já sabe o que vai fazer. "Quero agradecer a Deus por ter mantido a minha fé e esperança, ter guardado minha família e rezar pelos diversos amigos e conhecidos que perdi para a Covid", aponta.
Mas, além disso, o espaço físico também provoca nostalgia. "Por mais que a universidade tenha um acervo digitalizado enorme, ter acesso à biblioteca faz toda a diferença. E, nas semanas de provas, eu costumava chegar mais cedo para estudar junto com os colegas lá", recorda Santos.
O próprio contato com outros estudantes não é mais o mesmo. "O convívio está fazendo muita falta. Conheci pessoas incríveis durante o curso, com as quais tenho laços fora da universidade. Tenho amigos inseparáveis e a gente sempre se reunia, fosse para conversar, fosse para uma janta", comenta.
Nos últimos semestres da faculdade, ele diz que ainda não sabe como será essa fase final. "Minha meta é a formatura, independentemente de ter solenidade ou não. O que quero é concluir, para poder exercer a profissão", diz.
Sozinha, com os amigos ou a família - ela diz que sempre dava um jeitinho de estar presente nas partidas. "Então, sinto muita falta, porque fazia parte da minha rotina e era muitas vezes um escape, uma distração. Era meu lazer semanal, algo que eu amava muito", detalha.
Agora, Marina busca outras formas para sentir o clima do estádio. "Como os campeonatos seguiram, eu procuro assistir pela televisão o máximo de jogos possível. Era algo que eu já gostava também, mas assim eu sigo próxima do futebol. Também converso bastante com as minhas amigas, relembrando histórias e tudo mais", conta.
Ele, que se diz "da rua", conta que estava sempre buscando um novo roteiro pela cidade. "Agora o circuito se reduziu à minha casa. Com isso, fico chateado, mas sei que o mundo todo está. Fico aflito, ansioso, é uma mistura de sentimentos. De vez em quando dá raiva. Dá tristeza. Mas é uma montanha-russa que todo mundo está passando", argumenta.
Mendonça tenta evitar a saudade. "Busco não pensar muito, mas a gente acaba sentindo. Já assisti peça on-line, que é uma solução interessante, mas nada substitui o ao vivo", analisa.
Como principal subterfúgio, o ator celebra a aproximação com o filho. "Como ele ficou sem escola presencial no ano passado, passou bem mais tempo na minha casa", completa.
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